Se duas cabeças pensam melhor que uma, imagine o poder de mil. Combine mentes diversas, experiências variadas e uma boa dose de colaboração, e você terá um ambiente inovador, onde o trabalho em equipe realmente faz a diferença. Embora não exista uma fórmula mágica para a inovação, o RH pode impulsioná-la ao aproveitar o poder do crowdsourcing, canalizando a inteligência coletiva para transformar ideias em resultados concretos. A lógica é simples: em vez de manter os colaboradores limitados às suas áreas e tarefas, toda a organização pode se juntar para enfrentar desafios, aproveitando ao máximo o talento e conhecimento de cada um. Ao contrário do crowdfunding, que envolve dinheiro (a popular “vaquinha virtual”), aqui o que se compartilha são ideias e talentos, combinando o que há de melhor nas pessoas – suas competências, perspectivas e vivências individuais.
Mas aplicar esse conceito no dia a dia das empresas pode não ser tão simples quanto parece, apesar de ser muito atual – e a economia colaborativa está aí para provar. Encarar problemas sob diferentes ângulos é, sem dúvida, um ativo valioso para qualquer organização. Porém, em ambientes de trabalho com alta carga de processos e prazos apertados, a colaboração pode ser facilmente sufocada pela rotina. E nessas condições, mesmo que a inovação seja um dos pilares organizacionais da companhia, o crowdsourcing pode acabar se tornando um ideal vazio e inexplorado pelo RH.
Colaboração é cultural
Quando se trata de inovação em gestão de pessoas, é fundamental teorizar menos e simplificar mais os processos. No fim das contas, o que motiva uma pessoa a compartilhar uma ideia sobre um problema que não a afeta diretamente é uma cultura organizacional que, além de incentivar a participação ativa, valoriza e reconhece a contribuição de todos. Em outras palavras, o crowdsourcing é apenas um nome sofisticado para um princípio muito básico e cultural: a colaboração, seja entre colegas, grupos de diferentes áreas e lideranças. Quem faz o apontamento é a diretora de People Experience da Pfizer Brasil, Sheila Fideles Ceglio.
Segundo ela, embora o mercado ofereça diversas abordagens sobre a arte de inovar, como metodologias ágeis e técnicas de gestão colaborativa, a inovação envolve princípios bem mais simples. “Crowdsourcing, em sua essência, é trabalho em equipe; é sobre mudar o foco do individual para o coletivo, algo crucial para criar uma cultura de inovação nas organizações”, explica Sheila, ressaltando ainda que a “colaboração” é um dos fundamentos desse mindset.
Até pouco tempo atrás, as empresas costumavam valorizar mais o indivíduo do que o coletivo. A foto do “funcionário do mês” simbolizava a importância de ser o melhor. Mas essa realidade mudou consideravelmente e hoje as empresas já compreendem a importância de desenvolver, reconhecer e recompensar o esforço conjunto. Para Sheila, isso reflete uma mudança maior que está ocorrendo na sociedade e que é inevitável dentro das organizações. “Ferramentas como o crowdsourcing ajudam o RH a consolidar a cultura de inovação, mas o mais importante é ter essa mentalidade enraizada na organização. Sem isso, não há evolução.”
O papel estratégico do RH na inovação
Mas se a inovação deve estar no DNA da empresa, isso a torna mais uma das muitas responsabilidades do RH? Na visão de Renato Rovina, head de Recursos Humanos do banco BNP Paribas, a resposta é “não só, mas também”. O RH, segundo ele, não pode ser o único responsável pelo tema, mas precisa agir como um facilitador, reforçando a cultura organizacional para que a inovação se integre ao dia a dia das pessoas. E isso acontece de várias formas, como bem destaca Renato.
A primeira envolve educar os colaboradores sobre a importância da inovação e do trabalho em equipe, introduzindo novas tecnologias e metodologias, de modo a prepará-los para as constantes mudanças do mercado. “O RH precisa identificar quais competências estão faltando para acompanhar as inovações e disrupções no mercado. Transformar a força de trabalho com as tecnologias e processos atuais é fundamental para manter o ritmo das inovações que serão necessárias”, sublinha o CHRO.
Já a segunda forma é menos tangível, mas não menos crucial: o papel do RH como guardião da cultura organizacional. Em ambientes psicologicamente seguros, os colaboradores se sentem mais à vontade para compartilhar ideias que, em gestões menos colaborativas, poderiam ser facilmente descartadas. E isso não apenas incentiva a experimentação, mas também serve de estímulo para a colaboração entre diferentes equipes, áreas e indivíduos. Com o RH na posição de defensor da cultura, a inovação flui de maneira mais orgânica dentro da organização, tornando o crowdsourcing uma prática espontânea. “Precisamos ouvir as pessoas. Se cultivamos medo, elas vão preferir se manter na zona de conforto, evitando riscos por receio de cometer erros que possam até mesmo colocar seus empregos em risco”, pontua.
Walk the talk
Outro ponto importante é a diversidade de mentes e pessoas. Imagine um processo de crowdsourcing realizado apenas entre perfis semelhantes, com indivíduos que pensam da mesma maneira. A falta de diversidade, muito provavelmente, resultaria em soluções limitadas e pouco inovadoras. Sem questionamentos, o que sobra é conformidade. Em contrapartida, o CHRO do BNP Paribas defende que esse processo deve ser construído de forma ampla, impactando todas as áreas e pessoas, dentro de uma cultura que valoriza tanto a colaboração quanto a diversidade. “Quando a colaboração é bem recompensada e reconhecida, esses valores [a colaboração e inovação] se fortalecem ainda mais”, crava.
Em outras palavras, não dá para o RH implementar uma cultura colaborativa, com crowdsourcing e metodologias ágeis, voltada à inovação, sem praticar alguns princípios básicos dessa cartilha, como flexibilidade, agilidade e adaptabilidade. Segundo Sheila Ceglio, da Pfizer Brasil, isso exige estratégia e visão de futuro para identificar o que é essencial para a organização. A partir dessa definição, é possível desenvolver iniciativas que realmente coloquem em prática esses conceitos, transformando o discurso em ação – o famoso walk the talk. “O RH precisa estar atento às ideias dos colaboradores, ouvir o que eles trazem e não descartar essas ideias apenas porque não há recursos, incentivos ou tempo para implementá-las. A colaboração começa justamente aí”, frisa.
Agente de mudanças
Nesse sentido, o RH precisa sair da posição de quem diz “não dá para fazer” para se tornar quem empurra e estimula a realização, encontrando um caminho para fazer as coisas acontecerem. Nas palavras de Sheila, o verdadeiro papel do RH é desafiar, provocar e questionar, e não simplesmente executar o que a diretoria quer. “É sobre ser um parceiro estratégico, que empurra a organização para pensar além do óbvio e fazer acontecer de maneira colaborativa”, ressalta.
Para a especialista, o segredo disso está em investir em programas e iniciativas que realmente gerem engajamento, integrando processos de RH, como mapeamento de talentos e estratégias de remuneração, a uma estratégia maior, voltada para o futuro. “Existem ações em diferentes níveis, desde pequenas iniciativas até grandes mudanças que a empresa pode adotar, como tomar decisões mais ousadas em relação a talentos e gestão de pessoas“, analisa. No entanto, essa equação não é simples. Para que as pessoas se movimentem, tomem decisões de carreira mais ousadas e experimentem novas possibilidades, a empresa precisa criar essas oportunidades. “O papel da empresa é fundamental em incentivar e estimular as pessoas a abraçarem esse conceito, já que é mais fácil permanecer na zona de conforto e evitar riscos.”
RH, crowdsourcing e inovação: uma combinação de valor
A Pfizer Brasil e o BNP Paribas são bons exemplos de como o crowdsourcing pode conectar diferentes perfis de colaboradores e alavancar o pensamento criativo. Na farmacêutica, por exemplo, foi implementado o conceito de “gig”, que permite aos colaboradores dedicarem 20% do seu tempo a projetos ou iniciativas fora de suas atividades principais. Funciona assim: se um líder ou gestor tem uma ideia ou projeto que precisa de recursos humanos adicionais, ele pode divulgar essa oportunidade na plataforma interna. Qualquer colaborador interessado em aprender algo novo ou que tenha expertise na área pode se candidatar para participar, sem precisar abandonar suas responsabilidades principais. Dessa forma, eles podem trabalhar em algo novo por alguns meses, no tempo adicional que têm durante o dia.
Por ser uma iniciativa global da Pfizer, o programa permite que colaboradores de diferentes regiões trabalhem juntos, inclusive de forma remota. Sheila destaca que os resultados têm sido bastante positivos desde sua implementação, há um ano e meio, com cada vez mais pessoas se engajando e até propondo suas próprias ideias para novas colaborações. “Hoje, os colaboradores estão sugerindo ‘gigs’ em outras áreas porque desejam aprender, colaborar e explorar novas possibilidades. Essa mudança de atitude tem sido realmente interessante.”
Além disso, também merece destaque a plataforma de colaboração “Mystery Connections”, que conecta aleatoriamente colegas de toda a organização para encontros únicos. Durante essas reuniões, eles trocam experiências, compartilham melhores práticas, debatem problemas e constroem redes de relacionamento e apoio. De acordo com a diretora de People Experience, essa abordagem busca estimular a colaboração e promover o crescimento de carreira, reforçando a importância das conexões entre os colaboradores em um ambiente global.
Festival de inovação
No BNP Paribas, o incentivo à cultura de inovação acontece de forma semelhante, por meio de um programa de submissão de ideias, em que os colaboradores podem sugerir melhorias para suas rotinas diárias. Marina Finger, gerente de Negócios da empresa, explica que, dessa forma, há a compreensão de que todos podem contribuir com novas ideias, desde pequenas melhorias até grandes inovações.
O programa, chamado WINS, permite que qualquer colaborador submeta uma ideia, que é então avaliada por embaixadores treinados em metodologias Lean e de melhoria contínua. As ideias aprovadas podem ser implementadas pelos próprios colaboradores ou receber suporte adicional. Além disso, workshops sobre metodologias ágeis e Lean são oferecidos para incentivar ainda mais a colaboração e a melhoria contínua. Com mais de 240 ideias submetidas nos últimos anos, o BNP Paribas tem demonstrado que a inovação pode surgir em qualquer nível, desde pequenas mudanças até soluções mais disruptivas, criando um ambiente onde repensar e melhorar se tornam práticas naturais.
Segundo Marina, quando os colaboradores percebem que uma ideia já foi implementada com sucesso, eles se sentem motivados a fazer o mesmo. Embora seja sempre um desafio levar as pessoas a pararem para repensar suas práticas, ela percebe que existe essa vontade, apesar de a falta de tempo, às vezes, ser uma barreira. “Quando as pessoas participam, o feedback tem sido extremamente positivo em relação ao processo de submissão de ideias, análise e workshops”, comenta. As ideias submetidas ficam acessíveis a todos, e os vencedores são destacados na intranet ou no LinkedIn do banco, mostrando que realmente vale a pena participar. Esse intercâmbio não só está alinhado com o conceito de crowdsourcing, mas também ajuda a tornar a inovação algo mais natural, que o RH pode estimular ativamente.
Uma questão de talento
Iniciativas como essas são onde os talentos mais desejados pelas empresas realmente se destacam. Porém, como ressalta Sheila Ceglio, é crucial uma mudança de conceito: na Pfizer, o talento é visto como um recurso de toda a organização, não de uma área específica. Dessa forma, o patrocínio desses profissionais se torna mais robusto, deixando de ser responsabilidade de um único líder e se transformando em um compromisso coletivo. Isso amplia as ações de desenvolvimento, que passam a envolver diversas áreas e lideranças, promovendo uma movimentação mais dinâmica dos colaboradores dentro da organização. “Nós sempre buscamos fazer isso: o líder ‘X’ pode ser o gestor imediato da pessoa, mas outro líder, de uma área diferente, pode ser responsável por ajudar no plano de desenvolvimento.”
Não à toa, projetos transversais são sempre muito valiosos para a gestão de pessoas. De acordo com Renato Rovina, do BNP Paribas, há algumas vantagens muito evidentes nesse processo. Plataformas de colaboração facilitam, por exemplo, a identificação de talentos, colocando no radar quem, talvez, ainda não fosse reconhecido pela organização ou pelo próprio RH. Além disso, permitem que colaboradores demonstrem suas habilidades de liderança, mesmo sem ocupar cargos formais de coordenação. “Projetos transversais permitem que qualquer pessoa, que domine o processo ou a função, possa assumir um papel de liderança, recebendo o apoio e as ferramentas necessárias para se desenvolver”, destaca. Além disso, eles servem como excelentes oportunidades para avaliar o desempenho e oferecer desenvolvimento aos colaboradores. Quando um talento com potencial de liderança inovadora é identificado, vale a pena investir em seu crescimento, aproveitando essas iniciativas para expandir suas competências e exposição dentro da organização.